por Dilvo Rodrigues
A vizinha do apartamento da frente passa o dia inteiro ouvindo música. Os cafés da manhã da Dona Rita são acompanhados sempre de alguma canção inspiradora, dessas que fazem a gente se sentir mais corajoso pra vida.
Ontem, por exemplo, acordei com aquela voz dormida entoando trechos de Cais, de Milton Nascimento. “Para quem quer se soltar,invento o cais. Invento mais que a solidão me dá.”. E termina o dia sempre com alguma canção sonolenta. Dessas que a letra não faz muito sentido ou não muito poética, mas que a melodia é quase um embalar de rede com brisa de mar.
Hoje, encontrei a Dona Rita no elevador. Ela perguntou se me incomodava aquilo o dia inteiro. Em tom de brincadeira, disse: “Só quando a senhora, todo sábado, coloca arrocha.” Ela me respondeu: “Com a música minha vida é poesia, é dor e alegria. Mas, às vezes, a gente precisa mexer o esqueleto também,né!?” Isso com um leve balançar de quadril. “Tá certo, dona Rita!”, disse. Coloquei meus fones de ouvido e fui.