O Tempo dos Outros

Por Dilvo Rodrigues

Um relógio está posicionado bem abaixo da TV presa em um suporte na parede, a uns dois metros do chão. A cama fica bem em frente aos dois, de modo que se o sujeito olhar um pouco para cima, ele acompanha o que passa na telinha. Se levar o queixo levemente em direção ao peito, assiste as horas passarem. O tic tac é presença constante nos ouvidos. Ora ofuscado pelo som das vozes dos apresentadores dos jornais, ora abafado pelas vozes dos visitantes, ora esquecido por um gemido de dor. Mas, quando a dor passa, o tic tac volta como querendo refrescar nossa memória. Parece que tudo em um hospital funciona em relação ao tempo. E ele faz questão de se mostrar, das maneiras mais diversas.

“O médico disse que iria passar na parte da noite. Porém, não marcou um horário específico.”, diz uma mocinha de branco. “A previsão para a alta dele é segunda-feira.”, ouço sem querer do médico de um internado desconhecido. O tempo não passa para quem espera um médico, alguém que permanece deitado, imóvel por 12 horas. O que se quer ouvir é: “O Sr. já pode ir para casa!”, e rapidamente dar um salto da cama, vestir as roupas e fugir dali na velocidade do Papaléguas (Road Runner), aquele personagem de desenho animado que usa a velocidade contra o tempo. Não sei, mas é triste.

Se coloque no lugar de alguém que acabou de descobrir que pode morrer a qualquer instante. O que é o tempo na cabeça dessa pessoa? Dentro do hospital, o relógio está em quase todos lugares que ela vai. Será que ela também vê relógios no céu, nas plantas, nas pessoas? O fato é que muitos de nós vamos acabar descobrindo a resposta, infelizmente. E você acaba descobrindo histórias do fulano que não pode operar por que o plano de saúde não entrou em consenso com o hospital. E você chega a conclusão de que ali dentro, também, tempo é dinheiro.

Nesses lugares você é impelido a olhar menos para teu umbigo, é forçado a lidar e a pensar no que resta para os outros e o que resta de tudo. O pensamento e tudo o que era calculado em horas ou dias, passa a ser medido em minutos e segundos ou em qualquer outra coisa que tenha alguma frequência de repetição.

E você vê o tempo se esgotando nos passos rápidos de uma equipe médica que corre para atender uma urgência. O tempo no conta gotas que parece seguir as batidas do relógio. O tempo de um acompanhante que vê o surgir do dia e o cair da noite, pensando consigo quanto de cada minuto da vida passou com aquela pessoa deitada ali na frente. Ele pode chegar a conclusão que talvez não tenha sido a quantidade suficiente. Ou que, por outro lado, o tempo que passou ou foi perdido não importa mais. O que vale a pena mesmo é se preocupar com o tempo que está ali ou aqui, bem parado na nossa frente.

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